A Definição da Arte – Umberto Eco
A obra de arte enquanto visão e expressão artística. A obra de arte enquanto forma e produção artística. Croce. Pareyson. Dois filósofos que interpretaram, cada um com a sua visão, ou cada um da sua forma, a obra arte. Por um lado, o pensamento encaminha-se para a ideia de que a obra cessa no momento em que se abre espaço para a interpretação de outrem, que não a do artista. Por outro, a linha de pensamento fixou-se na ideia de que a obra se define nesse mesmo momento em que se abre espaço para essa interpretação, não comportando apenas a interpretação do artista e afirmando-se enquanto obra aberta. Uma racional, outra porém, com um pico de emoção e uma pitada de alma à mistura. Para Croce, a realidade, vista, racionalizada e interiorizada pelo artista é tudo aquilo que se reflecte na obra de arte. Sendo que esta, tem efectivamente que se definir enquanto expressão da mesma, negando assim, todos os seus sentimentos e vontades próprias referentes à sua sensibilização visual. A obra de arte é unicamente uma manifestação do real. Porque segundo esta teoria, o artista apenas tem que ser capaz, através de um processo racional, de fazer uso das suas qualidades de criador e do seu espírito construtivo a fim de fixar na história da arte, a expressão da realidade. A obra de arte para Croce, é um processo inteiramente individual e cabe ao artista a tarefa mais árdua deste mundo pleno de distracções: a capacidade de se manter fiel aos seus olhos e de se afastar do seu querer, do seu impulso artístico. Num outro caminho, encontramos Pareyson, que acredita que o artista e a sua obra, se formam num só, mas que se oferecem ao mundo, aos outros. Oferecem-se aos outros para que também estes, possam participar de uma experiência única e fazer dela parte integrante da obra de arte. Assim, a obra de arte nasce no artista e nas suas vontades, no seu impulso artístico, mesmo antes de conquistar uma forma física e cresce. Cresce porque é interpretada por todos. O primeiro a dar-lhe uma interpretação é o seu próprio criador que desde o início integra a obra e juntos, formam-se objecto físico. De seguida, a interpretação continua em todos os estados da sua existência, da sua permanência neste mundo, perante cada experiencia de quem entra em contacto com a mesma. E cresce. Para Pareyson, a obra define-se aqui, nesta presença, nesta vivência, nesta interpretação e forma-se. Ou vai-se formando. Porque é essa a essência da arte. Que o artista e a sua obra se unifiquem e se transformem, em outras formas, em outros tempos, pelo mundo, através das críticas, das interpretações e das discussões que se geram a cada experiência pessoal. Pareyson, abriu a possibilidade da obra aberta. A obra de arte já não se limita a produzir efeitos. A obra de arte apresenta-se agora enquanto “estímulo para uma livre interpretação”, ou por outras palavras, enquanto alvo. A obra de arte ofereceu espaço ao observador para reagir e uma colectânea de possibilidades. Posto isto, o criador poderia procurar gerar uma obra aberta, cujas possibilidades de resposta por parte do público se encaminhassem até uma finalização produtiva da obra e nunca se desviassem por um trilho prejudicial. Mas é muito mais fascinante passar o pincel para a mão do observador, oferecer-lhe espaço para, também ele, conceber regras, tomar decisões e criar. Ser criador na era contemporânea é possuir o gosto pela instrução de um público criador. De um público autónomo. Ser criador na era contemporânea é ter o prazer de dizer: “esta obra, sou eu, ela e todos os outros que se predispuserem a integrá-la, a criá-la e a formá-la enquanto objecto inacabado. Inacabado, porque faltas tu. Estás à espera de quê?”
Recensão Crítica do Texto
Capítulo I e Capítulo II, texto 1