Against Interpretation – Susan Sontag
Até que ponto. Até que ponto! Até que ponto? Até que ponto é que nós, seres pensantes, temos este direito de acrescentar cores à obra de arte? Até que ponto é que nos cabe a nós descompor essa transparência? Essa primeira essência emaranhada em formas e conteúdos singulares, que fazem dela uma experiência irrepetível? Até que ponto?! Será esse o nosso papel? O de separar conteúdos de formas e atribuir novas interpretações à arte? Teremos mesmo um papel interventivo na arte? Esprememos a arte mimética até que dela emergisse um conteúdo. Conteúdo esse que dizíamos ser uma conjunto de elementos, próprios de cada obra, mas aos quais nós, seres pensantes, decidimos dar destaque. Para quê? Para interpretar. Porque a arte tem sempre que querer dizer alguma coisa.
Hoje, transformamo-la. Em tudo aquilo que exigimos que ela seja. Em tudo aquilo que queremos que ela seja. E até que ponto? Até que ponto é que é nossa, esta função? Dispusemo-nos num lugar onde nos oferecemos (exactamente, a nós próprios) a tarefa de esmiuçar conteúdos e transformar a arte no seu “verdadeiro sentido”. Mas qual verdadeiro sentido? O nosso? Coberto de camadas de cores? De camadas de interpretações?
Asfixiámos a arte. Podíamos ter feito uso da interpretação para a liberar. Mas escolhemos asfixiá-la. Até que ponto é que o podíamos ter feito? Independentemente dos pontos, já o fizemos. E o passado ninguém o refaz. Mas podemos caminhar nessa direcção. Ou será que já não vamos a tempo de recuperar essa era, em que a arte não precisava de justificações? Porque ninguém se perguntava o que é ela dizia, porque já se sabia o que ela realizava? Até que ponto?
Pelo ponto 5 do texto de Susan Sontag, vemos qualquer coisa como: “(…) a interpretação não passa de uma recusa grosseira de deixar a obra de arte em paz.”. Na verdade, é isto que acontece quando fazemos um uso extremo da massa cinzenta que nos leva para esta forma lógica e intelectual de pensar a arte. E até que ponto é que, depois disto, ainda temos arte? O seu mérito não está definitivamente só no seu conteúdo e em todos os significados que daí podem provir. Então e a forma? A obra somente no seu conteúdo nunca vai existir na sua plenitude. Estaremos ainda a tempo de “salvaguardar a obra de arte na sua essência”?
Gostaria de poder dizer “talvez”, mas até que ponto é que eu posso dizer o que quer que seja sobre a arte, a sua essência e as suas concepções?
Podemos apenas limitar as interpretações transformativas ao criar obras menos complexas, cujas suas intenções sejam tão directas, que as obras possam ser exactamente o que são. Podemos também gerar uma ambiguidade tal, que não há espaço para outras interpretações. Podemos pôr a forma no mesmo patamar do conteúdo. E fazer dos dois, um só. Podemos trazer de volta a transparência da arte. Podemos. Mas até que ponto é que, para isso, é mesmo preciso deixar de interpretar?
Recensão Crítica do Texto
Excerto da Obra