Cuidar de nós (Uma conversa sobre amor próprio)
Hoje escrevo-vos num registo diferente. O Deixa Ser tem esta característica maravilhosa de poetizar as palavras e deixar o amor nas entrelinhas, mas a verdade é que, por vezes, sinto que preciso de ser mais concisa para que me leiam com maior clareza.
Gosto de deixar os sentimentos entre pontos finais. Gosto de escrever para cada um e sentir que as leituras de todos são diferentes. Que o que sinto e vos entrego me sai de uma forma e, que vos chega de várias e tão próprias de cada um de vocês. Mas chegou a altura de falar de um tema que eu quero que se comece a ver mais por aqui. E que, nesta fase, ainda precisa de vos ser entregue nesta transparência que vos convida a lerem todos, o que vos quero transmitir, da mesma forma. Porque este é um tema próprio de cada um, sim, mas muito presente, ou infelizmente, muito ausente, na vida de todos.
Hoje, vamos falar de amor próprio.
(Na verdade não gosto de lhe chamar isso.) Mas é exactamente isso, um cuidar de nós. Que em muitos anda desprotegido.
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Quando comecei a trabalhar sobre este olhar para dentro, na verdade, não estava totalmente consciente de que o estava a fazer. Nem de que precisava de o fazer.
Comecei por seguir uns perfis online. Dei por mim a ler contracapas de livros de auto-ajuda. (Também não gosto de os chamar assim). Procurava conversar sobre questões de autoestima. E, sem dar muito por isso, fui entrando neste processo de despertar um eu adormecido.
Confesso que na maioria das vezes o que lia, ou o que ouvia, me causava aversão. Não que eu não concordasse, ou não entendesse, mas não me identificava com nada.
Nem mapas astrais. Nem energias interiores. Nem meditação. Nem seres de luz.
A maioria das coisas que passavam por mim ressoavam irrealidade. Quase como que tivéssemos que mudar de vida para gostarmos de nós.
“Porque eu encontrei o meu eu quando deixei o meu trabalho e segui o meu coração.”
“Porque eu descobri a minha luz interior quando passei a dar tempo a mim própria para ouvir o meu corpo.”
“Porque eu voltei a respirar quando desacelerei e a minha energia interna encontrou um equilíbrio”
A sensação que eu tinha ao ler estes testemunhos era de um transformar total da vida das pessoas. Mudar hábitos alimentares. Rotinas diárias. Reorganizar tempos de lazer. Procurar novas ocupações que nos fizessem parar o rodopio do nosso dia-a-dia para olharmos para nós próprios como … pessoas de luz.
Confesso que não consigo ler o que acabei de escrever sem sentir que é toda uma realidade muito distante. Pelo menos, da minha. (Sem querer chamar-lhe outra coisa)
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Seria impossível fazermos este trabalho interno sem termos que reestruturar toda uma vida, cheia?
Aqueles que trabalham mais de oito horas diárias, dão um saltinho a uma ou outra formação, levam, no entretanto, os filhos à escola, passam pela mercearia para comprar pão, deixam o carro em dois lugares de estacionamento, limpam o pó de um móvel por dia, queimam o jantar porque se distraíram a dar banhos, tinham mesmo que reestruturar toda uma vida completamente sistematizada para olharem para si mesmos?
A boa notícia é que não! E não é impossível fazermos este trabalho interno sem termos que reestruturar toda uma vida, cheia. A má é que tudo o que encontras por aí te vai mostrar o contrário. Mas por favor, mantém-te firme. Tudo se consegue. Com ou sem extreme makeover.
Larga os livros. As redes sociais. As páginas inspiradoras de facebook. As frase feitas. O yoga.
Somos quem nos melhora sem termos de nos mudar.
Não te posso dizer que há uma receita para isto acontecer. Ou um livro que te vai dizer como fazer acontecer. Posso te dizer que é uma questão observação e reflexão.
Única e exclusivamente isso. Observar e reflectir sobre o que observamos.
E isto é o primeiro salto para cuidarmos de nós. (Prefiro esta expressão, menos espiritualista.) E se te for difícil reflectir sem escrever, escreve! Mas pensa sobre o que escreveste.
Se não deres um primeiro passo nunca sairás do teu lugar.
E o primeiro passo não tem que ser colossal. Não te estou a sugerir que largues o teu emprego, deixes o teu estilo anterior, fujas para a Tailândia para cuidar dos elefantes e voltes atordoado/a com o cheiro do incenso que agora purifica a tua casa.
Calma. Vamos tirar um bocadinho do nosso dia para pensar. Pensar sobre a discussão que tivemos com o nosso colega de trabalho. Sobre a forma como respondemos aos nossos filhos. Sobre a falta de interesse que demonstramos em casa. Sobre a saudade que temos de fazer qualquer coisa sozinhos/as.
Vamos observar o nosso comportamento para connosco e para com os outros. E vamos, quando estivermos conscientes de que alguma dessas coisas poderia ter outro desfecho, começar a mudar.
Prepara-te para as mudanças, porque algo de maravilhoso está por vir, acredita.
E mudar o quê? (Perguntam vocês e bem! Então não era para mudar e agora afinal temos que mudar?)
Não temos que mudar de vida, mas podemos mudar pequenas coisas que vão ao encontro de uma mudança maior. Mudar atitudes, perspectivas e reacções! Não precisamos de abdicar de nada e esta é a realidade.
Perceber que na vida comum, de quem tenta chegar a todos, também é importante conseguirmos chegar a nós. Aos nossos pensamentos, vontades, desejos, medos, anseios, sentimentos e não vou dizer-vos para ouvirem o vosso corpo, (que eu também não aguento a expressão), mas para pararem para pensar em como se estão a sentir fisicamente.
Há um recomeço que te espera sempre que for preciso.
Se a certa altura a vida não te permitir recomeçar, o amanhã é já amanhã e há outro dia para se recomeçar.
Mas acima de tudo, lembra-te disto. Basta um olhar mais atento para identificar o que está errado e uma vontade suficiente para fazer com que, mesmo que a vida continue a correr na sua loucura, olhemos para nós próprios e reconheçamos certas intenções que são ajustáveis. Alteráveis. Mas mais que isso, transformáveis. E é nesses pequenos “transformares” que voltamos a cuidar de nós.
Como?
Se o motivo que te levou a ficares irritado/a no teu trabalho, perder a importância que ganhou, porque reflectiste sobre ele e percebeste como o resolver sem teres que te exaltar, não achas que o teu corpo agradece? O teu pensamento desocupa-se. A tua respiração restabelece-se. E tu voltas ao equilíbrio.
(Num olhar atento, olhaste para aquela situação, tiveste vontade suficiente para reflectir sobre ela, compreender a tua intenção naquele momento e transformaste, sem grandes mudanças, uma preocupação)
Diz-me lá que isto não é cuidares de ti?
Nunca voltes ao mesmo lugar que te fez sentir inseguro/a, triste, frio/a e mal amado/a. Esse lugar não te pertence.
Este observar e reflectir diários, vão te permitir isto mesmo. Que nunca voltes a esse estado que te anulou. Que fez surgir em ti o que não querias (instabilidade, oscilações de humor) e que levou de ti o que mais temias, o teu equilíbrio interno.
Acreditas que não precisamos de mais nada para cuidarmos de nós? Cuidar do nosso equilíbrio interno é sinal de que cuidamos de nós e que o amor próprio não se perdeu. Está exactamente onde devia estar.
Faz o que for necessário para seres a melhor versão de ti mesmo/a.
E se o que for necessário não requerer mudares de vida, não mudes. Abranda. Para voltares a ter controlo total do teu bem-estar, físico e emocional. Tira tempo para ti.
De tanto pensares nos outros, esqueces-te da pessoa mais importante deste mundo: tu.
Este processo passa por reconheceres, em primeiro lugar, que tu és a figura central dele mesmo e nada, nem mesmo ninguém, pode ocupar mais espaço do que tu. Inteiro/a de ti.
E nunca te esqueças… que no meio de tudo isto, nem tudo é fácil. Nem todas as conversas vão levar o rumo que imaginaste. Nem todas as mudanças vão ter os efeitos que desejaste.
E saber dizer adeus também é saber amar.
Às vezes é preciso protegermo-nos. Às vezes o mais seguro é este distanciar. Para voltarmos recuperados/as. E continuarmos esta caminhada, de pedra e cal.
Seguros/as de nós. Do nosso valor. E da importância que é não nos esquecermos de nos relembrar disto. Todos os dias.
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Este foi um texto diferente e espero que te ajude neste começar. Deixei-te umas frases bonitas pelo meio, só para as guardares e te lembrares, que algures na tua vida passaste por aqui, leste este (quase) livro e mesmo que não te lembres de tudo o que te escrevi, ficaste com um bocadinho do que te ofereci.
Relê-as e recomeça mais uma vez.
Nunca é tarde para cuidarmos de nós.
P.S.: Procurar ajuda junto de profissionais especializados para nos guiarem neste acordar de um eu adormecido também é um passo, e este, é já colossal!
… Deixa Ser…