Do mundo

Nova Iorque – Como é vivida a arte?

“New York is made up of millions of different people, and they all come here looking for something.” ― Lindsey Kelk

Será? Será que todos os que lá vão procuram efectivamente coisa alguma?

Nova Iorque é definitivamente a cidade que nunca dorme e claro está que as suas artes estão também sempre despertas. Todas as manhãs os seus visitantes existem na correria pela possibilidade de imersão nas mais variadas casas das artes, tal como todas as tardes, tal como todas as noites. As organizações alinhadas de pessoas formam-se e os pequenos compartimentos de venda de cartões-de-visita esgotam todas as impressões do dia. E as horas passam. O público observa. Uma, duas vezes. Ou até nenhuma. As obras subsistem. E os dias começam de novo. Nova Iorque é assim. Cheia de muitas coisa, cheia de coisa nenhuma. Enche-se de espectacularidade e deixa-se apreciar. Nova Iorque é assim. Cheia de muita coisa, cheia de coisa nenhuma. Em três museus e duas peças de palco foi isto que eu vi. Olhares repletos de luz e corações vazios. Nem todos. Mas muitos. Será que todos os que lá vão procuram efectivamente coisa alguma? À partida, julgo que sim, mas são tantas as viagens que se podem fazer por todos estes lugares cheios de tanta coisa, que as decisões se perdem pelo que é espectacular. Ou não. Ou sim.

Ali. Ali onde eu julgava encontrar arte enquanto arte, fui de rajada contra uma colectânea de indivíduos de queixo caído. Imobilizado pelas luzes. Pela música. Pelos cenários. Pelos vídeos 3D. Pelas dimensões. Pela cobertura. Pelo aparato. Então e a arte? Acredito que em alguns lugares em particular, a arte esteja a marcar o seu lugar. Acredito que em alguns lugares em particular, a arte persista. Insista. E resista a esta cegueira. A este público encandeado pelo que é gigante e não pelo que é único. Acredito que em alguns lugares em particular, a arte não se deixe perturbar pelas conversas via Skype nos museus, por partilhar o seu espaço com uma tão grande tecnologia. A rede sem fios. Acredito que em alguns lugares em particular, a arte não se sinta menos arte por ser trocada por meia dúzia de palavras num pequeno placard. Ou por uns auscultadores. Ou por um sofá onde é mais confortável enviar SMS. Ou até pelos vidros que separam estes dois mundos. Ou até pelos seguranças que não permitem que um curioso se aproxime de si. Acredito. Acredito que a arte tenha os seus admiradores, que vivem desta entrega a este amor. O de fazer arte enquanto arte. O de presenciar arte enquanto arte. O de correr atrás da arte enquanto arte. Acredito. Acredito que numa cidade que nunca dorme, exista um público que também não descansa por fazer ver que a arte não são só luzes, música, cenários, vídeos 3D, dimensões, cobertura e aparato. Acredito que ali, onde todos os dias se deixam passear milhares de pessoas, se escondem outras. Que recusam auscultadores, que se sentam no chão dos museus e se deixam entranhar pela singularidade de cada obra, que não se surpreendem com meia dúzia de rockettes em palco, nem com quatro mamutes gigantes num pedestal. Acredito. Acredito que numa cidade que nunca dorme, exista um público que também não descansa por fazer ver que a arte não precisa de acréscimos para ser vivida por alguém que viaja meio mundo só para a presenciar. Só para a descobrir. Acredito porque vi. Acredito porque senti. Acredito porque vivi. Acredito porque eu também não precisei de complementos, bastou-me estar. E é talvez isso o que falta em Nova Iorque. A certeza de que estar é suficiente para que a arte aconteça na sua plenitude. Um público não menos expectante, mas menos preocupado. Menos exigente. Afinal, nem sempre é preciso procurar efectivamente coisa alguma. A arte fala por si.

 

Opinião Pessoal

Apreciação da forma como esta cidade vive as artes.

 

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