Para nós

Amar, foi sempre mais dor do que amor

Fui coração aberto por tanto tempo. Soube sempre receber-te. Soube sempre vencer medos. Soube sempre dizer-te que sim. Mesmo quando os pássaros não cantavam. Mesmo quando os rios não corriam. Soube sempre estender os braços e recomeçar.

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Deixei-me um dia cair. Não recordo ao certo quando.

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As quedas, se lhes dermos esse espaço, podem ser lugares sem fim. E eu caí sem me dar conta do que significaria deixar-me ir.

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Hoje, bem cá no fundo, concebo que este lugar para onde fugi me está a negar receber-te.

Não me deixo amar.

Quando nos entregamos aos medos, oferecemo-lhes relevância.

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Não me lembro da última vez que te entreguei as minhas mãos. O que me fez querer ir contigo. O que me levou até ti.

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Estou submersa em incertezas. Preocupa-me quem fui. Não quero voltar a cair. E caí exatamente porque deixei de ser eu. Porque me deixo envolver em demasia. Porque me reorganizo. Porque me entrego. Porque me lembro de tudo, menos de mim.

Amar, recorda-me todo esse tempo em que me lembrei de tudo, menos de mim.

Amar, recorda-me todo esse tempo em que me deixei ser diminuída. Violentada. Humilhada. Envergonhada.

Amar, foi sempre mais dor do que amor.

Amar, foi sempre mais silêncio do que voz.

Amar, foi sempre mais duro do que bom.

Foi sempre mais inconsciente do que consciente.

Foi sempre mais dar do que receber.

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Nesta queda, sei que me transformei. Reconheço essa inconsciência. Esse, seguir a pensar que conseguimos tudo. Que ultrapassaremos tudo. Que o amor é tudo.

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Nesta queda, sei que hoje sou racional. Se calhar hoje, é só mesmo isso que sei. Que num susto, me soltei dessa imprudência e hoje me agarro com força à ponderação.

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Pondero em exagero, acho. E não sei como perder este costume. Há quem lhe chame mecanismo de defesa. Aos teus olhos sou resistência. Insensibilidade. Indiferença. Frieza. Desdém. Desinteresse. Para mim é medo.

Não sei como dizer-te que só preciso que me queiras dar a mão.

Mas que no meu consciente, este dar de mão, tem que me transmitir a segurança necessária para querer sair daqui.

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Eu não me levantarei nessa emergência. Mesmo que a tua necessidade seja imediata. Mesmo que o teu amor esteja sôfrego. Eu não quererei seguir contigo no primeiro dia. Mesmo que tenhas já desenhado os nossos planos. Mesmo que para ti seja claro por onde ir. Eu não me sentirei segura se me sentir pressionada. Mesmo que tenhas pressa. Mesmo que seja só a tua vivacidade.

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Estou num lugar mesmo escuro e precisarei de toda a tua paciência se quiseres caminhar lado a lado.

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Não me deixarei amar se não tiver certeza de que queres caminhar a passo, um dia de cada vez, seguros de que o que se construirá, não cede e que a força que vem de dentro me distanciou deste lugar submisso que me fez dar a maior queda da minha vida e correr o risco de nunca mais te sentir.

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Amar-te-ei, sim. Talvez. Mas não a correr.

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… Deixa ser …

 

 

 

 

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