Experience Or Interpretation (The Dilemma Of Museums Of Modern Art) – Nicholas Serota
Se eu tivesse de me pormenorizar… fisicamente, começava pelos pés. Na verdade estou ciente de que não aparento a normalidade. Em altura, sei que meço mais de quatro metros por isso sim, as minhas proporções são atípicas. Mas acredito que estes, os pés, foram gerados na perfeição. Se subirmos um pouco, encontramos o terminar do meu braço direito: a minha mão. É enorme. E precisamente ao lado, os meus genitais que não a vencem em dimensões. Não tenho qualquer ponto a apontar ao meu tronco. Aliás, julgo que se aparenta firme. Assim, antes do rosto, resta o braço e mão esquerdos que suportam, sobre o meu ombro, também ele esquerdo, uma funda que eu em tempos empreguei. Por fim, a cabeça. Também ela enorme. Ah! Há anos que mantenho esta expressão tensa, como que pronto para o combate. Na verdade, estou decido a arrasar Golias!
Cheguei ao século XXI e procurei entrar num destes espaços a que os entendidos chamam de: Museus. E parei o tempo. Dei o primeiro passo, uma porta instantânea deu de si. Entrei. À direita um corredor, sem portas. Um corredor. À esquerda, escadas. Em frente uma pequena divisão. Não se consegue ver nada, uma aparente festa dionisíaca. Decidi espreitar. Afastei as pessoas, uma e outra até ter vontade de voltar a dar uso a isto, que tenho na mão. Na esquerda. Levantei a cabeça. Segurei o olhar e … proferi: uau! Calma, uau? Então em que época é que se perdeu a ordem cronológica? E a ligação histórica? Para onde foram todas essas relações entre artistas da mesma época? Claro que assim que procurei por respostas a cooperação foi nula. Afinal eu parei o tempo. Ou então estamos numa época onde ninguém explica nada a ninguém. Aqui entre nós: Estão todos com medo das más influências. Decidi olhar em redor. Parece que há ali no canto qualquer coisa diferente. Ai não! Há qualquer coisa diferente em todo o lado! Então mas está a aqui tanta gente… Será que algum deles percebe alguma coisa disto? Vou pelo corredor. Já nem reconheço as correntes artísticas. É que nem por aí me deixam pegar. Ah… o que é isto? Agora penduraram “O Grito” num cabide? Então e isto? O quê??? “A Rapariga com o brinco de pérola” está mergulhada numa banheira? Não estou mesmo a perceber este novo costume de se estabelecerem espaços, suponho eu que próprios, para serem “vivenciados” por um “alguém” onde nada tem explicação, onde ninguém se atreve a deixar o seu ponto de vista marcado e mais, onde eu não sei estar. Não sei estar. Como é que se está nestes “novos sítios”? Sentado? De pé? Posso tocar? Também ninguém me vai responder. Vou tocar! Ah-ah! Vou tocar outra vez! Agora vou-me deitar. Não, espera! Vou-me encostar. Mas não há limites? Eles podem fazer do espaço o que quiserem e eu posso apresentar-me a cada obra como bem me apetecer? Então já não se fixa cada um no seu lugar? Eu a dois metros e elas penduradas na parede? Ou apresentadas num pedestal? Até onde é que estão definidos os parâmetros? Será que estou no direito de inverter papéis? Os museus podiam ser lugares lotados de obras vivas. Fixas numa parede. Ou apresentadas em pedestais.
Peguei num dos que lá estava. Num observador. Estava composto, de fato e gravata. Pareceu-me bem. Troquei-o pel’ “A Rapariga com o brinco de pérola”. Et voilà. Será que estou a pôr em causa todas as definições de museu? De artista? De observador? De mediador? Não sei. Tudo me pareceu válido a partir do momento em que me destacaram do meu lugar e tornam possível esta minha visita. Este meu entrar no mundo da arte contemporânea. Ou da mudança. Também lhe podemos chamar assim. Afinal, permitiram que eu redesenhasse o mapa da arte moderna. E eu escolhi seguir o meu caminho. E não, não precisei de um mediador.
Recensão Crítica do Texto
Excerto da Obra